quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Quarta-feira de cinzas

Meu pobre blog. Abandonado pelo dono.

Amanhã, retornam as aulas (infelizmente). Carnaval foi bom.



Hoje, quarta-feira de cinzas, as nuvens resolveram dar um espetáculo. Umas 18 horas. O sol estava quase sumindo. Da minha casa no primeiro andar do pequeno prédio, nem se enxergava mais seus raios amarelos.

O céu, choroso, conservara durante todo o dia algumas nuvens. As nuvens da chuva do carnaval. Densas e frágeis. Dignas dum quadro ou de um poema melancólico, de um artista melancólico.

Às 18 horas, entretanto, elas enfeitaram-se, vestiram-se, armaram-se do mais lindo rosa. Do mais brilhante rosa. Do mais vigoroso rosa.

Não se engane achando que eram elas os paetês ou as plumas do céu. O céu era apenas (!) o seu palco. Deixaram de ser coadjuvantes. Eram intensas, vívidas, fortes. A luz parecia emanar delas, provocando as mais diversas sensações em quem as observasse...

Mas, alguém as observava? Alguém dedicava um pequeno instante para olhá-las? Aliás: para olhá-las e vê-las? Ver sua exuberância eloqüente. Ver sua majestade divinal. Sua intensidade.

Não. Ninguém dedicava um mísero minuto para se embasbacar com a beleza daquelas nuvens. Ah, esse alheamento das sensações oferecidas pela vida!

Assim. Sem platéia. Desprezadas, ignoradas. Vagarosamente, elas foram perdendo seu brilho, sua cor.

Do rosa pulsante, veio um rosa cansado e modorrento...

E, mais veloz que o desabrochar e o adormecer duma flor, a nuvem foi invadida pela total languidez de um cinza mórbido.


- Ah se eu tivesse uma boa câmera digital. ¬¬

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Trem das onze

Trem das onze
(Adoniran Barbosa)
Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor,
mas não pode ser
moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
E além disso mulher, tem outra coisa
Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar
Sou filho único, tenho minha casa pra olhar
Não posso ficar, não posso ficar...

Criei o blog, mas ele está meio abandonado. As idéias que eu tivera para postagens acabaram sumindo.

Ontem, lembrei-me dessa música que ouvi no rádio há algum tempo, cantada por Martinho da Vila - se eu não me engano -, e resolvi publicá-la aqui.

Ao ouvi-la, imediatamente, construiu-se em minha cabeça a situação passada pelo eu-lírico da música:


Num subúrbio escuro de uma cidade grande – São Paulo, talvez. Numa rua mal iluminada. (Um único poste tentando vencer a escuridão com sua luz alaranjada.) Alguns barracos e semi-casas desenhando um vulto titubeante no breu da noite. Algumas estrelas no céu. Algumas nuvens avermelhadas. Nenhuma lua.

O casal se olha, se beija. Negros, menos de 30. Ele dá um passo para trás. Ela segura sua mão, firme. Ele a encara, tanto triste. Ela solta sua mão, que cai ao longo de seu corpo. Ela abaixa um pouco a cabeça. Ele lhe dá outro beijo. Abraçam-se.

Separam-se. Outro beijo. Ele vai descendo. Ela entra em sua casa (uma daquelas semi-casas). Ambos param; ele no meio da rua, ela na porta. Voltam-se um para o outro, e encaram-se durante certo tempo. Ele continua descendo. Ela espera-o sumir de vista e entra em casa.

Escuta-se o barulho de um trem que se aproxima. Quase onze.

Muito longe dali, também num subúrbio escuro. Com barracos e semi-casas, também. Sob o mesmo céu de algumas estrelas e de algumas nuvens avermelhadas. Sob o mesmo céu sem nenhuma lua. Numa casa (semi-casa, também) de luz acesa, uma senhora, negra, espera, ansiosa, na janela.

Dentro de casa, espia o relógio. Preocupa-se. Olha para o céu. Lembra-se de Deus e da Imaculada Mãe. Volta à janela, onde pára. Até que, quase doze, pode, finalmente, aliviar-se. Dormirá tranqüila.